Recentemente, fui procurada por um cliente que desejava avaliar uma Nota Comercial de
emissão privada. O objetivo era entender a procedência do título, verificar a regularidade da
estrutura e identificar possíveis indícios de fraude.
Antes, o que é uma Nota Comercial?
Se você ainda não conhece, a Nota Comercial é um título de crédito usado por sociedades limitadas, anônimas e cooperativas, as notas comerciais passaram a ser operações frequentes no mercado de capitais para captar recursos junto a investidores. Essa modalidade vem se tornando cada vez mais comum como alternativa de financiamento fora do sistema bancário tradicional.
A emissão pode ocorrer:
- De forma pública, com distribuição ampla a diversos investidores;
- Ou de forma privada, quando há um único investidor-alvo definido.
Atualmente, a lei não impõe a participação do agente fiduciário nas ofertas de notas comerciais, embora seja uma prática comum do mercado. A CVM informou que, com o andamento das ofertas, poderá futuramente determinar a contratação do agente fiduciário, caso considere necessário ampliar a proteção aos investidores.
A emissão da Nota Comercial só é possível mediante contrato entre a emissora e a entidade escrituradora, que se responsabiliza pela manutenção do sistema escritural, controle e liquidação dos títulos. Esse contrato, perfeitamente vinculado, é condição operacional e jurídica indispensável para a existência do título.
Por fim, para emitir e distribuir notas comerciais é necessário que a instituição emissora tenha conta na B3 e registre a emissão na bolsa, seguindo os procedimentos e documentos exigidos. Isso se aplica tanto para ofertas públicas como para ofertas privadas.
Vantagens da Nota Comercial
As Notas Comerciais não estão sujeitas à incidência do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Esta é uma das vantagens mais importantes, pois, ao contrário de outras operações de crédito, como empréstimos bancários, não há cobrança de IOF. Representa uma alternativa disponível às sociedades limitadas e cooperativas que desejam acessar o mercado de capitais.
A Análise
Eu verifiquei que a Nota Comercial encaminhada não foi perfeitamente formalizada, tanto o escriturador, que foi qualificado na Nota Comercial, não a assinou, quanto a mesma não foi registrada na B3. Sobre a falta de assinatura pelo escriturador, apesar da Nota Comercial não ser um contrato bilateral, exige forma especial prescrita na forma da Lei no 14.195/2021 para sua constituição, o que a aproxima, nesse ponto, dos títulos de crédito formais.
Sem esse vínculo contratual o escriturador não assumiu qualquer responsabilidade sobre o título, não há escrituração válida nos termos da legislação e o título não se aperfeiçoa juridicamente como Nota Comercial.
Esse entendimento é reforçado pela Resolução CVM no 160/2022, que atualmente disciplina a oferta pública de valores mobiliários no Brasil, reforça o papel essencial da entidade escrituradora, estabelecendo que:
“Art. 3o, inciso II, alínea “b”: A emissão deve ser realizada por meio de sistema de escrituração administrado por entidade autorizada pela CVM, nos termos da regulamentação vigente.”
Sobre a falta de registro na B3, isso era esperado, uma vez que a B3 indicaria a exigência pela falta de assinatura do escriturador. Mas, de forma a elucidar a questão, a falta de registro na B3 representa diferentes implicações. Em geral a Nota Comercial não pode ser negociada no mercado de balcão, limitando a capacidade de o investidor vender o título antes do vencimento.
Conclusão
Conclui que a Nota Comercial apresentada não possuía validade jurídica como título de crédito, por ausência de escrituração e registro válidos. A inexistência de assinatura, chancela ou qualquer vinculação contratual com entidade escrituradora tornou inaplicável o regime jurídico da Nota Comercial previsto na Lei no 14.195/2021, sendo o instrumento ineficaz para fins de circulação ou cobrança.
Se meu cliente aceitasse a cessão daquela nota estaria correndo os seguintes riscos:
- Dificuldade de comprovação de titularidade
Risco: A ausência de escrituração em entidade autorizada pela CVM, como a B3, fragiliza a prova de titularidade.
Consequência: Em eventual disputa ou inadimplemento, o cessionário pode ter mais dificuldade para cobrar judicialmente ou executar o título.
- Risco de fraude
Risco: Sem a formalização e rastreabilidade oferecidas pela B3, a autenticidade da nota comercial e da cessão pode ser questionada.
Consequência: O cessionário pode adquirir um título inválido, falsificado ou já quitado.
- Ausência de proteção do art. 26 da Resolução CVM 160/22
Essa norma exige o registro da nota comercial em entidade escrituradora para que o título seja considerado válido para fins de negociação no mercado de capitais.
Risco: A não observância dessas exigências pode implicar a nulidade da nota comercial
como valor mobiliário, comprometendo inclusive sua liquidez e exequibilidade.
- Dificuldade de negociação no mercado secundário
Risco: Títulos não registrados ou escriturados têm baixa aceitação no mercado
secundário.
Consequência: O cessionário pode enfrentar dificuldades para vender ou securitizar a
nota.
Gostaria de uma análise como essa?
Eu sou Pattrícia Moino, advogada especialista no Mercado Financeiro e de Capitais, formada
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro efetivo da Comissão Especial de Direito
Bancário da OABSP. Atualmente trabalho no EFCAN Advogados.
Segue meu e-mail: pmoino@efcan.com.br